
Relação com Identidade e Cultura
Conexão com o conceito de ''tradução'' de Stuart Hall
‘’Pois há uma outra possibilidade: a da tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retém fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições , mas, sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias.’’
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O Parágrafo retirado de ‘’A Identidade Cultural na Pós-modernidade’’ de Stuart Hall descreve muito bem as causas do surgimento de lugares como o Aparelha Luzia. Com a globalização afastando cada vez mais as pessoas das tradições e culturas de seu lugar de origem, surgem locais que ‘’resgatam’’ as origens, onde pessoas que vivem num foco da globalização como São Paulo se encontram no centro da cidade. É um local que as leva de volta para suas tradições, isso desde o ambiente e a decoração, até as músicas, os eventos e as atrações do local.
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O Aparelha Luzia, além de ser um local de manutenção da cultura negra, é também um lugar de resistência, onde acontecem debates, um local visitado por ícones negros da política e da mídia em geral. O que coloca esse lugar dentro do cenário da globalização, mas não traz a ‘’ilusão de passado’’ descrita no livro, tenta apenas manter a cultura viva, e ao mesmo tempo participar do cenário sociopolítico atual, influenciando-o.
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Portanto, o local traz características de ambos os mundos: das tradições e da cultura negra, e também do contexto urbano atual, tanto em questões sociais quanto políticas. O termo “Quilombo Urbano” demonstra majestosamente a tradução dessa cultura, que é incorporada ao contexto atual, sem perder suas raízes.
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Conexão com o conceito de "jogo das identidade"
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" (...) as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes - advindas, especialmente, da erosão da "identidade mestra" da classe social e da emergência de novas identidades, pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais: o feminismo, as lutas negras (...)"
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"Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela se tornou politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença."
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É possível também fazer uma diferente conexão do evento relacionando-o com o parágrafo descrito acima, retirado da mesma leitura ‘’A Identidade Cultural na Pós-modernidade’’ de Stuart Hall . Outras circunstâncias que complementam as causas de criação do Aparelha, são ligadas ao fato das identidades ganharem um contexto político de representação social. De acordo com Hall, o mundo moderno acabou por colocar em cheque o poder de abrangência da identidade de classe, onde esta não comporta a variedade de posições e perspectivas que existe dentro dela, abrindo um momento de necessidade de surgimento de outras identidades que abarcasse realidades e interesses particulares e específicos através dos movimentos sociais, como a luta negra. O Aparelha Luzia surge assim também com essa finalidade política de resistência, mobilização e manifestação de representatividade, unindo o movimento negro ao movimento LGBT (mais especificamente trans) e se constituindo como um local de identidade politizada.
Outra questão que Stuart levanta, que tem relação com o Aparelha, é sobre a identificação não ser automática. O fato de um indivíduo negro pertencer à mesma realidade defendida pelo movimento negro, não o torna um militante ou defensor do movimento e da luta negra. Assim, o Aparelha também assume papel de tomada de consciência política da população, tanto negra quanto branca, para sua união às causas raciais e de segregação.
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HALL, S. Identidade Cultural na pós-modernidade.
DOMINGUES, P. , Cultura popular- as construções de um conceito na produção historiográfica. Revista História.