
Sensações e Impressões

Sensações
Desde o momento em que foi decidido o tema do trabalho, a sensação inicial que todos puderam compartilhar entre si, foi a ansiedade. Em diversas conversas, durante dias, antes mesmo de chegarmos a ir ao local do trabalho de campo, salientamos muitas vezes que nos sentimos inseguros em relação ao ambiente (até mesmo pelo ponto de vista que também nos foi comum: não gostaríamos de passar uma imagem de desrespeito para os demais, por estarmos “apenas observando”), por ser majoritariamente composto por pessoas negras num ambiente de resistência, mas, principalmente por não saber se seríamos “bem recebidos” no local.
Outro sentimento compartilhado pela grande maioria dos integrantes foi a quebra dessa primeira sensação de insegurança, pois ao chegarmos ao local percebemos que nós mesmos estávamos nos segregando nos baseando apenas nas ideias, porém, na realidade ali era um espaço público e quem desejasse estar ali poderia estar.
Ao adentrarmos o bar vimos pessoas dançando, pessoas sentadas, pessoas interagindo entre si, conversando, bebendo cerveja, comendo etc. O que nos trouxe a sensação de harmonização com o ambiente, rompendo com os paradigmas criados por nós mesmos previamente. Durante as horas que estivemos presentes lá, pudemos compreender que nossas expectativas talvez estivessem um tanto equivocadas, a sensação geral foi de conforto, todos se sentiram bem no ambiente e foram capazes de concluir o que havia sido proposto: estarmos o mais neutros possíveis para observar as pessoas, os costumes etc.
De todas as sensações captadas individualmente e coletivamente, destacam-se algumas:
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Nunca antes estarmos em contato com tantas pessoas negras juntas, ao mesmo tempo, no mesmo ambiente;
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A expectativa de ficarmos segregados por questões raciais que foi totalmente quebrada ao chegarmos ao local;
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Sentir que é realmente importante existir um ambiente assim, para que as pessoas possam se unir e resistir;
Impressões de alguns integrantes
Bernardo Toto:
Encontrei o grupo em frente ao bloco alfa 1 após a aula de ERP, e de lá fomos até o estacionamento onde nos dividimos nos carros do sidnei e do pedro. Fui no carro do pedro com a maria e a heileen, e seguimos sentido Santo André e onde fizemos uma breve parada na casa do sidnei, aguardamos cerca de 10 a 15 minutos do lado de fora do prédio, a rua estava vazia, e nesse período discutimos sobre o caminho a ser feito e expectativas a cerca do estudo que estávamos realizando. Voltamos ao carro e seguimos via avenida dos Estados em direção ao viaduto Grande São Paulo, passando por algumas áreas onde haviam movimentações que pareciam ser algum tipo de festa ou bar. Mesmo com o uso do GPS, nos perdemos algumas vezes por conta do não conhecimento e da dualidade de algumas vias. Passando pela região do mercado municipal, o Pedro viu um mendigo tentando furtar um homem que passava. Passamos também pela região da república onde haviam diversos prédios históricos e tombados. Nosso trajeto levou cerca de 45 minutos (o previsto era de 35 minutos). Chegamos próximo ao Aparelha Luzia e o Pedro estacionou próximo ao carro do Sidnei. Voltamos a conversar sobre a expectativa a cerca da experiência e estudo em que estávamos trabalhando. Decidimos aguardar um pouco antes de irmos diretamente ao local. A rua era escura, vazia e havia alguns mendigos passando. Após isso paramos em frente ao local e conversamos (muitos de nós nos sentiamos um pouco deslocados, principalmente pelo desconhecimento a cerca do local e seus frequentadores). Apesar de ser um local de tradição e cultura negra, haviam algumas (cerca de 4) pessoas brancas no local além de nós. Entramos no Aparelha Luzia e fomos diretamente comprar algumas cervejas. Muitas pessoas nos olharam com surpresa. No menu, os nomes das cervejas eram abrasileirados, como rainiquim e aisembã. Sérgio conversou com um dos responsáveis para explicar sobre o estudo. Fui novamente ao lado de fora e enquanto estava conversando sobre tatuagem, um dos frequentadores do local entrou na conversa, ele usava uma blusa do Corinthians preta e fumava um cigarro e bebia cerveja. Após isso entrei novamente no local. Observei que havia um mezanino com diversos tambores e bumbos, quadros, móveis de madeira, espelhos, esculturas. Boa parte dos frequentadores eram jovens (entre 20 e 30 anos), haviam algumas pessoas de média idade (entre 35 e 50 anos) e vi apenas duas senhoras que estavam com vestidos brancos que aparentavam ter mais idade, que usavam roupas totalmente brancas. Discutimos sobre um quadro que havia uma mulher negra sentada em uma poltrona, amamentando um peixe morto e ao lado dela havia um retrato de uma criança. Havia um pote de distribuição de camisinhas perto da saída. No local tem 3 sofás e 3 mesas, sendo uma das mesas redonda, próxima às geladeira de cerveja e ao caixa. Nessa mesa havia um menino que usava chapéu e conversava com outras pessoas. Havia uma espécie de dj, um casal dançava muito bem. A mulher negra tinha cabelo loiro black power e ele era um homem branco que usava óculos e tinha barba. Após dez minutos voltei para o lado de fora, onde o grupo formava uma roda de conversa. Em um grupo ao lado havia uma mulher que falava em inglês com as outras mulheres. Fizemos uma breve reflexão sobre o que observamos e fomos embora, voltei no carro do Sidnei, passamos pela Avenida Doutor Arnaldo e pelo estádio do Pacaembu, fomos pela Paulista e eu desci próximo ao MASP. Fui em direção à alameda Rio Claro em direção a casa de uma amiga. Me sentia extremamente cansado pois eu havia trabalhado na sexta e iria trabalhar no sábado pela manhã, e logo adormeci. Acordei ainda cansado porém refletia sobre o que havia se passado no dia anterior. Todos os sons, odores, o que vi e o que senti. O cansaço estava misturado à euforia dos momentos da noite anterior. Foi uma experiência muito diferente do que eu imaginava, trouxe um rica experiência para a vida.
Heilen Capello:
Na sexta feira que decidimos ir ao bar, me levantei em torno das 10h. Ao longo da tarde me arrumei para ir para a faculdade às 21h pois iríamos sair direto da aula de ERP para São Paulo.
Ao chegar na UF, não subi para a aula, fiquei até as 22h30 esperando meus colegas descerem, Enquanto esperava, fumei alguns cigarros.
Fui no carro do Pedro, com a Maria e o Bernardo. Antes de irmos para o nosso destino, passamos brevemente pela casa do Sidnei, em Santo André, perto da sede da UF.
Ao longo do trajeto fumamos mais alguns cigarros, ouvimos diversas músicas, Pedro errou o caminho, e em torno de 1h chegamos ao local.
Ao descer do carro percebi alguns moradores de rua, muitos veículos estacionados e uma certa movimentação na porta do bar. Fomos chegando perto, e eu percebi um casal que estava um pouco ao lado tendo uma discussão. Isso me tirou o foco do ambiente por um bom tempo, me distrai prestando atenção no que o casal fazia. Depois deste momento entramos para conhecer o interior do bar, onde estavam varias pessoas, dançando, comendo, sentadas, conversando, fazendo diversas atividades.
Compramos cerveja, eu bebi bem pouco, pois não queria desviar o foco de atenção. Me senti um pouco cansada durante a estada por lá, então fiquei sentada sozinha em um sofá por um bom período de tempo, apenas observando ao redor. As luzes dentro do ambiente eram mais baixas, o que tornava o ambiente confortável.
Alguns momentos depois, nos reunimos todos lá fora e ficamos um bom tempo conversando entre nós, mas também observando as pessoas que estavam perto de nos, assim como uma norte americana, que estava com um grupo de brasileiros. Uma coisa que me chamou muito atenção e eu achei extremamente lindo, eram as vestes de algumas pessoas. Estavam com vestes caracteristicamente africanas.
Algum tempo depois decidimos ir embora, e então eu voltei com Sidnei, e fizemos um caminho totalmente diferente de volta, passamos por São Paulo, São Caetano, até chegarmos em Santo André. Fiquei na casa dele até que um amigo foi me buscar, em torno das 3h.
No dia seguinte pude refletir o quão importante é existir lugares que imponham resistência, assim como a aparelha Luzia. Fiquei maravilhada com a experiência, foi enriquecedora.
Maria Eduarda
Trajeto de ida:
Saí da aula com o Pedro. Estava muito apertada então fui correndo ao banheiro. Depois desci para encontrar os outros. No pau do Lula, os fumantes terminavam o seu cigarro. Seguimos para os carros. Nos dividimos de forma natural. Eu, a Heilen e o Bernardo entramos no carro do Pedro Z. O Pedro estava de motorista, a Heilen de copiloto e eu e o Bernardo de passageiro. Os três estavam fumando, janelas aberta e muito frio atrás. Estávamos seguindo o carro do Sidney até a sua casa. A música estava alta e não conseguia acompanhar a conversa dos dois que estavam na frente, então fiquei olhando pela janela e tentando identificar o trajeto que faríamos para Santo André. Chegamos na casa do Sidney, ele subiu para se trocar, nós saímos do carro e conversamos um pouco sobre a aula de sábado. Os fumantes trocaram cigarros. O Sidney voltou com uma cerveja e uma caixa de bis. Deu a cerveja para o Grecco e o bis na minha mão. Dividi com todos e entramos no carro. Agora cada motorista colocaria o caminho no waze e só nos encontraríamos no nosso destino. Logo os dois carros se separaram. O celular do Pedro estava sem sinal de GPS então foi usado o celular do Bernardo para nos guiar até o bar. Liguei para o Sérgio mas ele não atendeu. O carro continuou como estava antes, com rap estado unidense alto e eu não escutando nada. O Sérgio me retornou. Avisei pra ele que já estávamos a caminho e que em 30 minutos chegaríamos ao local. Ele que estava em outra festa na consolação, disse que demoraria o mesmo tempo para chegar. Desligamos. Diminuíram o som, dei notícia do Sérgio e seguimos viagem. O Bernardo deitou no meu colo e eu fiquei olhando as luzes dos prédios de São Paulo pela janela. Durante o trajeto, o Pedro que estava distraído e com dificuldade de usar o waze, errou o trajeto umas três vezes. O Bernardo levantou do meu colo e começamos a prestar atenção no caminho pra que o Pedro não errasse novamente. O Sidney avisou que chegou antes. O Sérgio me ligou de novo avisando que já havia chegado e que estava com o pessoal do outro carro parados um pouco pra frente do bar. Nós chegamos depois de 5 minutos. O Pedro estacionou o carro e então nós 4 saímos do carro. Enfim, chegamos no nosso destino.
Já no local:
Cumprimentei o Sérgio e o seu amigo. Analisamos o bar um pouco de longe. Do lado de fora só haviam negros. Resolvemos entrar todos juntos. Entrei de cabeça baixa evitando cruzar o olho com alguém e ou fixar o olhar em algum lugar específico para não parecer que estava explorando o local. Éramos em muitos então não chamar atenção era inevitável e isso me incomodava. Atravessamos o local até o bar para pegar umas cervejas. O Sérgio e o Pedro pararam para explicar para um homem do bar sobre o trabalho e também pedir autorização para tirarmos foto. Pegamos as cervejas e saímos do local. Lá fora estava mais fácil para conversarmos. Estava me sentindo um pouco deslocada mas queria muito estudar melhor o local e as coisas que estavam expostas ali. Entrei novamente. Dessa vez mais certa do que estava fazendo e com um objetivo claro. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o dj. Parei um pouco pra ouvir mas não consegui identificar a musica. Depois eu vi a parede da direita com fotografias de uma mulher amamentando um peixe. Quis muito saber do que se tratava o trabalho mas isso morreu comigo ali. Depois eu fui analisar a parede do lado direito. Tinha uma escultura de um tronco feminino coberto de bitucas de cigarro. Uns pedaços de manequim e tudo mais. Achei o local com um ar bem artístico. Comecei a pensar no motivo de cada coisa que estava ali exposta e como aqueles objetos ajudavam para construir a casa, o seu clima e a resistência existente. Saí de novo e observei o muro do outro lado do bar. As pixações com o rosto do Lula e da Marielle me tocaram naquele momento. Aquilo me pareceu muito importante na hora. Ficamos mais um tempo para fora. Fizemos uma roda, o Pedro me ofereceu um trago e eu sem pensar, fumei. Naquela hora eu comecei sentir que a minha percepção tinha mudado e eu estava mais atenta. Entramos mais uma vez, todos juntos. Parei do lado do Pedro que estava sentado numa cadeira e perto do pessoal que estava dançando. Tentei pensar em tudo aquilo que o lugar representava pra cada pessoa do local. Pros que estavam dançando, os que estavam conversando e bebendo. Reparei que as conversas na maioria tinha um cunho político e poucas eram com um tom descontraído. Isso me ajudou a pensar e entender um pouco mais sobre o local que estávamos. Ficamos mais um pouco e decidimos ir embora.
No caminho de volta:
Como o Sérgio e o Pedro resolveram extender, eu fui embora com o Sidnei. O Sidnei foi dirigindo, o Grecco foi de copiloto e eu, o Bernardo, a Sandy e a Heilen fomos de carona. Como o Bernardo ia descer logo no Masp, nos apertamos um pouco no banco de trás. Fomos conversando sobre o trabalho que fizemos. Logo chegamos na Paulista e deixamos o Bernardo na altura do Masp. Continuamos a volta. Conversamos sobre diversos assuntos aleatórios. Deixamos o Grecco em sua casa e então decidimos passar no Mc Donalds. Fizemos nosso pedido, pegamos e levamos para comer na casa do Sidnei. Chegando lá, nos espalhamos pelo sofá da sala do Sidnei. Comemos os lanches e o Sidnei ligou a TV. A Heilen foi embora. Ficamos eu, a Sandy e o Sidinei no sofá assistindo cartoon antigos e conversando sobre os desenhos. Ficamos no Sérgio até o trem abrir. Às 04:40 pedi um Uber da casa do Sidnei para a minha. Pedi para o motorista passar na estação de trem para deixar a Sandy. Nos despedimos e segui para casa. Cheguei em casa às 05h.
No dia seguinte:
No outro dia eu acordei ao 12h e parei para pensar sobre o dia anterior. Foram muitos sentimentos e reflexões. Me senti transformada de uma forma intensa. Parei para pensar no mundo que nos rodeia e na importância de haver um lugar no centro de São Paulo como o Aparelha Luzia.